A crise fundiária no sul da Bahia foi tema de uma audiência pública realizada nesta quarta-feira (28), na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Agricultores da região e representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresentaram relatos sobre invasões de terras, violência armada e lentidão nos processos de regularização fundiária.
De um lado, produtores rurais denunciaram prejuízos milionários e desrespeito à propriedade privada. Do outro, a Funai expôs assassinatos de indígenas, supostamente cometidos por fazendeiros e policiais, e a atuação de grupos paramilitares na região.
Segundo Mateus Mendes, presidente da Agronex (Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia), o clima de insegurança jurídica tem favorecido o avanço de conflitos. Durante sua fala, ele exibiu um vídeo em que um veículo com identificação da Funai seria usado para transportar homens armados, incluindo um fuzil de grosso calibre. “O crime organizado se apropriou da pauta indígena para cometer crimes. Hoje, com a autodeclaração, basta colocar um cocar e pintar o rosto para se proteger atrás da tutela federal”, acusou.
Já a presidente da Funai, Joenia Wapichana, pediu o encaminhamento imediato do vídeo para apuração interna e reiterou que o órgão não compactua com nenhuma ação ilegal. “A Funai não passa a mão na cabeça de servidor envolvido em irregularidades. Defendemos os direitos constitucionais dos povos indígenas e exigimos investigação rigorosa”, afirmou.
Wapichana destacou ainda que apenas 0,5% do território baiano é formado por terras indígenas, e que a lentidão nos processos de demarcação contribui para o agravamento dos conflitos. Ela mencionou o impacto da Lei 14.701/23, que restringe a demarcação de novas terras àquelas ocupadas até 5 de outubro de 1988 — o chamado “marco temporal”, que segue sendo questionado no Supremo Tribunal Federal.
Vandernilson da Silva, presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Entorno do Parque Nacional do Pau Brasil, relatou episódios de violência e “expulsões” de agricultores familiares. “Com a presença da Força Nacional, deu uma acalmada. Mas ainda vivemos sob tensão. Tem dia que acordamos com tiroteio”, disse.
A Força Nacional está na região desde o final de abril. Para o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), um dos articuladores do debate, o cenário é de abandono. “O sul da Bahia é uma joia, mas a falta de segurança jurídica e o silêncio das autoridades transformaram a região em um barril de pólvora”, declarou. O parlamentar prometeu encaminhar as denúncias aos Três Poderes e sugeriu uma visita técnica da comissão à região.
Atualmente, o sul da Bahia possui quatro terras indígenas reconhecidas: duas regularizadas (Barra Velha e Águas Belas) e duas em processo de análise (Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá). A Funai deve iniciar o levantamento de não indígenas nas áreas em disputa para avaliar possíveis indenizações.
Enquanto isso, famílias indígenas e agricultores seguem vivendo em um território marcado por incertezas, tensão e espera por decisões que tardam, mas que definem o futuro de milhares de pessoas.